diários de spartacus
VI
A entrega era assim:
a luz cravada como um espinho no corpo incomodava
a botânica do silêncio.
Era urgente cobrir toda a pele de terra húmida,
ceifá-la de saliva e respigar a boca com destreza.
Depois,
que sarasse a ferida que o espinho causara na evidência das coisas
e que o sangue escurecesse de sombras.
A entrega era fulminante como só na escuridão se aclara um relâmpago:
o coração erguia-se como uma glande eléctrica,
em descargas.
.
.
adenda: carta do exílio para diários de spartacus
venho falar-te do talento
para o nada.
perdoa-me a subtileza,
mas a tua boca é um seio sem maternidade
alguma
possível.
leio-te continuamente
como se as tuas palavras fossem
de uma doença tropical,
onde despertas a consistência
dessa espécie
de
malária.
tens o dom da febre,
sim,
porque o delírio é uma corda suja
onde enforcas qualquer coisa
de virgem.
A beleza que te trabalha
deixa-te
árdua e intacta
no mundo,
aqui
nenhuma beleza é trabalhada pelo mundo
de forma mais árdua
que o teu medo,
a tua letra é um modo viciado de estranhares
a tua própria mão.
diários,
se os quisesses polir com o tempo que esgotas
no teu corpo,
era vivê-los como um modo claro
de alimento.
era sentares-te de frente para o fogo,
a caneta na breguilha da voz
e incendiares de vez toda a intimidade.
A experiência é uma invenção
.
.
[itálicos de herberto helder]
8 comentários:
este poema podia chamar-se a vigésima quinta hora. é sempre a essa hora que tu escreves. não é humanamente possível produzir um relógio que registe esse momento. os fotógrafos, ali por baixo do poema, atropelam-se para obter o melhor ângulo, que permita reter numa película a ínfima faísca do teu esperma. mas nenhuma imagem vale estas mil palavras
pois eu n�o tenho palavras.
apenas encanto.
muito.
boa noite Nuno.
enorme. tudo por aqui.
nunca se pode ver a noite toda de súbito
herberto
.
foi um encontro, sim.
.
i'm speechless.
.
adeus nuno
[a entrega só vale a pena se urgente, intensa, eléctrica (digo eu)
mas isso também pode ser muito difícil]
...
escrita belíssima,
sempre.
abraço
nãp encontrei outro sítio para comentar tda a beleza extrema que estive a ler lá em cima...
assim,
digo aqui:
belo tão belo que arrepia!
beijooooooooooooooooooooooo.
que grande poema.
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