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corri para o telefone mas não me lembrava do teu número
corri para o telefone mas não me lembrava do teu número
queria apenas ouvir a tua voz
contar-te o sonho que tive ontem e me aterrorizou
queria dizer-te porque parto
por que amo
ouvir-te perguntar quem fala?
e faltar-me a coragem para responder e desligar
depois caminhei como uma fera enfurecida pela casa
a noite tornou-se patética sem ti
não tinha sentido pensar em ti e não sair a correr pela rua
procurar-te imediatamente
correr a cidade duma ponta a outra
só para te dizer boa noite ou talvez tocar-te
e morrer
como quando me tocaste a testa e eu não pude reconhecer-te
apesar de tudo senti a mão sabia que era a tua mão
mas não podia reconhecer-te
sim
correr a cidade procurar-te mesmo que me afastasses
mesmo que nem me olhasses
mesmo que dissesses coisas que me
mesmo que
e ter a certeza de que serias tu depois a procurar-me
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Al Berto
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[foto de ashkan sahihi]
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Não quero nada, deixem-me ficar assim um bocadinho que já volto […] e num minuto ou dois levanto-me, torno a ser o que vocês conhecem e pronto, esqueçam-se, fico divertido outra vez, boa companhia, simpático mas não me peçam explicações, não perguntem o que foi, finjam que não notaram, entrou tudo nos eixos, palavra, sinto-me óptimo, como novo, capaz de cambalhotas, pinos, gracinhas, há alturas em que consigo ser divertido não é, a alma da casa, a alegria da família, a animação em pessoa mas por agora não quero nada, deixem ficar um bocadinho que já vou, não me espiem, não me observem, não se inquietem, façam de conta que não estou cá e não estou mesmo, a cabeça anda-me desconheço por onde, num lugar onde nunca fui e que parece uma praia dado que vejo andar, penedos, uns pássaros quaisquer, uma criança à beira-mar, sozinha […]
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António Lobo Antunes
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1 comentário:
"Não quero nada, deixem-me ficar assim um bocadinho..."
[isso mesmo]
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abraço
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